Belmiro era um prodígio. Desde pequeno era o melhor aluno de sua
sala. O que não era dez ficava entre nove e meio e nove vírgula nove. Mas desde
pequeno fora educado nos princípios cristãos e sabia o quão era importante
reconhecer o papel do criador em todas as nossas atividades. Pequenininho já
dizia aos seus avós que suas notas eram resultado de sua fé no seu deus e assim
continuou até a faculdade.
No esporte também sempre demonstrou grande talento. E a cada gol
que fazia levantava os dedinhos para o céu, para agradecer o ator principal, o
motor primeiro daquela ação. O mesmo fazia no basquete, a cada cesta. Na
canoagem, o fazia a cada vez que passava em primeiro pela linha de chegada.
Desenhava também com a mão cheia, mas agradecia sempre pelo
talento que o criador havia lhe dado, desde criança, quando reproduzia os
heróis dos quadrinhos em folhas antes brancas.
Foi esse talento, aliás, que aliado ao outro talento recebido, o
do estudo, fizeram-no entrar no curso de Arquitetura, profissão que passou a
desempenhar antes mesmo da formatura, projetando as reformas que os pais
realizavam em sua casa. Não demorou a entrar em um escritório, e não foi outra
a história de seus sucessos. A cada sucesso, a cada elogio, fazia questão de
lembrar o responsável pela sua conduta, pelos seus sucessos, enfim, por tudo o
que ele havia feito nessa vida. Vida que, aliás, ele sabia a quem devia.
Dia desses Belmiro encontrou o primo Carlos, também seu amigo de
infância. Após desfilar seus novos sucessos na vida, sem esquecer de mencionar
o principal responsável por cada coisa boa que fazia ou que lhe acontecia,
passou a rememorar com o primo os sucessos do passado, além de coisas
engraçadas que haviam vivido juntos nesse longo período de aventuras que vai da
última infância até meados das adolescências.
Foi quando Carlos lembrou da surra que Belmiro deu no gato da
vizinha de sua mãe, um gato que insistia em passar pelo seu quintal. Gato
preto, dizem que dá azar. Belmiro mudou de cor e de expressão com a lembrança
do fato.
- “Lembra como você pegou ele no laço? Depois prendeu o bicho na
goiabeira e tome-lhe cacetada. Eu para, para, para! Tu vai matar o bicho!”
Disse Carlos, em sua linguagem despreocupada com as conjugações
verbais da norma culta, assim como se fala em sua cidade do interior. Belmiro apenas
respondeu com certa convicção:
- “Aquilo foi coisa do diabo!”