A Casinha de João


Era dos dias mais felizes para João, aquele em que a professora falava: “Hoje teremos aula de artes”. O sorriso saltava-lhe do rosto sem medo, e era um tal de lambuzar-se nas tintas, riscar o papel, saborear a argila com os dedos, criar coisas que ninguém havia pensado antes, etc. Muito diferente das aulas normais, cheias de escrever e fazer contas. Bem que gostava dos dias de ler, pois, vez em quando, surgiam histórias empolgantes que faziam com que a imaginação quase saltasse de sua cabeça, materializando em carne todos os personagens que se viam soltos a partir dos lábios de sua professora.
Mas voltando às aulas de artes, que no caso da escola de João, resumiam-se à pintura, ao desenho e a alguma escultura de vez em quando, eram ainda melhores quando a professora deixava a criatividade correr solta, sem amarras. Não havia tarefa preestabelecida para cumprir: “Desenhem um gato!”; “Hoje vocês vão pintar um dia de sol!”. Não, nada disso! Bom era o dia em que a pintura era livre, o desenho era livre e a escultura era livre. Nesses dias João se soltava, e fazia o que queria.
Foi num desses dias que, não querendo criar algo abstrato, ou mesmo algo além da imaginação, possível, mais ainda não criado, resolveu fazer uma casa, a casa dos seus sonhos. A casa que queria para a sua infância e para a vida adulta. Mais para a vida adulta, pois a da infância era aquela mesma dos seus pais.
Pois bem, João pôs-se a desenhar uma casa grande, com um telhado alto, que quase tocava o céu que ele mesmo desenhou. Colocou árvores e flores em volta, e como não podia deixar de registrar, um sol brilhante a iluminar a branquidão da folha de papel. Depois foi a vez de pintar as paredes com cores fortes e diferentes. O telhado, além de colorido, era formado por umas telhas diferentes, quase triangulares. A casa possuía também uma chaminé, a lareira serviria para aquecer e cozinhar a comida.
Quando deu-se por satisfeito, apresentou a sua casa à professora. Esta, por sua vez, pensou em estimular a socialização entre as crianças apresentando os desenhos para que os colegas apresentassem suas opiniões: “A telha tá errada!”; “A parede vermelha devia ser verde!”; “Tem muita planta, tá parecendo mato.”. E não pararam por aí as indicações, foram muito além, a casa nem bem saíra do papel e já fora reformada, destruída e reconstruída várias vezes. João, como toda criança, portador de boa memória, anotou cada indicação, e logo depois procurou atender a cada uma delas. Quando havia, entre as sugestões dos alunos, opiniões conflitantes, optava por aquela que aparecerá primeiro.
Ao fim de seu trabalho, olhou para a sua nova casa, era bonita, mas não era a sua casa.