Fui encarregado, certa vez, de conduzir meu tio Raimundo a um
enterro. Quem havia de ser enterrado era um amigo seu de longa data, e que
falecera por problemas de coração. Tio Raimundo era um velho forte e grande,
desses que se têm medo só de olhar. Cara fechada, olhar de poucos amigos, muito
pouca fala. Mas quem precisa de muita fala quando fala tanto pelo olhar?
Fomos eu e ele calados no fundo do carro, ele triste pela perda
do amigo, eu calado por nem saber como agir com meu tio numa situação dessas.
Fosse outro tio ou tia, um primo, uma irmã e eu saberia o que fazer, mas com o
tio Raimundo, para mim era algo difícil. Nunca foi ruim comigo, não me negou
presença em pescaria e nem montada em cavalo. Toda vez que ia a seu sítio, no
interior da Bahia, era recebido com suco de fruta retirada na hora, fora as que
eu tinha direito de comer ali, no pé da árvore.
Sempre fui bem recebido por ele, sempre fui admirador dele e de
sua postura séria e honrada, mas, ao mesmo tempo, sempre tive dificuldades para
conversar qualquer coisa com ele. Fechado, sisudo, mas nunca ruim. Misantropo
que gostava de gente, pois embora estivesse sempre a quilômetros de distância
de qualquer forma de confraternização, nunca deixava de atender a um pedido,
qualquer viagem que fazia, trazia presente pra todo mundo, não deixava pedinte
passar fome e ajudava as famílias de sua cidade que passavam por dificuldades.
Mas seu problema mesmo eram as interações sociais, corria a
léguas de qualquer coisa que pudesse sugerir uma interação maior que a de um
grupo de duas pessoas.
Foi por isso que me surpreendi quando, durante o enterro, uma
beata, dessas de igreja qualquer, pegou pela mão o meu tio e o arrastou para
perto do morto. Neste momento, um baixinho, enfiado num paletó surrado, metia-se
a pastor de ovelhas, entoando canções e rezas. Quando eu me preparava para
esconder-me e rir, também fui arrastado e nem pude, de forma satisfatória, aproveitar
a situação como ela merecia.
Foi interessante descobrir como o tio conhecia as letras das
músicas e todas as rezas puxadas pelo pregador improvisado, foi engraçado vê-lo
naquela posição nunca antes vista, em comunhão com outras pessoas, mesmo que,
num primeiro momento, de forma forçada, mas o fato é que ele foi para o meio do
povo, constrangido, mas até que com certa desenvoltura.
Depois das rezas e cantorias, e também do enterro propriamente
dito, saímos eu e ele caminhando do cemitério, em direção ao carro, desde a sua
chegada, exibia um semblante triste, pois era amigo do morto de longa data. Sem
alterar o semblante e com a voz ainda embargada, quando viu-se sozinho comigo,
longe das pessoas que foram ao enterro, fez-me um pedido.
- Quando chegar a hora da minha morte. Se no meu velório algum
sacana puxar reza e cantoria, puxe pelo braço e bote pra fora do cemitério!