Já matou um preto hoje?


            Um anúncio, em um país subdesenvolvido, estampava a seguinte frase: Já matou um preto hoje? Fiquei curioso e perguntei ao meu guia o que queria dizer aquilo, pois tratava-se de país de maioria negra. Ele sorriu e me disse que poderia ficar tranquilo, não era nada com o que se preocupar. Aquele era um procedimento normal no país, para controle de natalidade.
- “É que eles existem em grande número e o governo autoriza o abate."
            Fiquei curioso e sondei maiores informações sobre o fato. Ele, com sua eloquência banhada em cachaça e farofa, tratou de me fornecer maiores informações. Disse que para manter a proporção de cores nas peles das pessoas da nação, o governo autorizava a caça de pessoas das cores majoritárias. Tratei de perguntar se isso acontecerá com outras cores, e ele disse que não, quando a lei surgiu, os negros eram a maioria.
            Continuou falando sobre as formas de caçar que eram utilizadas pela gente do país, pois não era coisa apenas pra turista, era uma forma de satisfazer também os cidadãos da minoria, geralmente de pele mais clara, famintos pelo abate.
- “Daí você vai até ela, a sua caça e abate. Resolve-se o problema da superpopulação, da pobreza, da previdência..."
            As formas de abater a pessoa, ou a caça, eram várias, muitos utilizavam as armas, a grande maioria. Muitos nem planejavam a caça, passavam na rua e sempre que avistavam alguém com a tez negra, abriam fogo. Alguns usavam os braços e matavam por sufocamento. Havia os mais sofisticados que precisavam de um maior tempo para curtir a morte, assim matava-se também através da supressão do alimento, a popular fome, ou pela supressão no atendimento à saúde, seja encarecendo o tratamento médico, seja pelo encarecimento dos remédios. Fiquei pensando, ser médico é realmente uma forma sutil e sofisticada de aproveitar a morte, dos outros, formar-se para manter a vida e deleitar-se no prazer da morte, dos outros.
            Ao terminar a sua exposição, o meu guia perguntou se eu precisaria dos seus serviços ao cair da noite. Explicou: Era descendente de negros e possuía uma pele “não muito clara” o que poderia colocar em risco a sua integridade física. Era comum homens como ele serem abatidos por engano. Pediu desculpas e saiu olhando para os lados. Neste momento uma garrafa caiu no chão, criando um estampido semelhante ao de uma arma. Ele deu um salto, como se isso fosse livrar o seu corpo das balas, e correu desbandeirado. Sumiu na primeira esquina à direita. Quase gritei, "não segue por aí!"